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Os Bairros de uma cidade.

Sou de um tempo antigo. Sou de um tempo em que a formação das cidades e seus bairros eram criações coletivas de comunidades, de memórias comuns.
O saber de uma comunidade definia, muitas vezes, o nome do bairro, por razões culturais, de hábito; bem como, os limites daquele bairro. Estes limites físicos que, invariavelmente, não coincidiam com os limites oficiais. A população adonava-se, e aqui o verbo deve ser estes mesmo "tornar-se dono", da cidade criando, assim, uma identidade e, a partir desta identidade, seu bairro. "Para um indivíduo, sua identidade é a percepção do que ele é um relação ao mundo cultural e ao mundo natural e o sentimento de pertencimento ligado a essa percepção.É uma afirmação de seu lugar, de sua posição no mundo.É ainda a consciência que uma pessoa tem de si mesma." (COSTA, 2002). A relação com um bairro é, antes de tudo, a percepção de pertencimento ao lugar, é reconhecer-se como parte daquele todo geográfico.

                                        Registro de um bairro tradicional de Porto Alegre - IAPI

Porto Alegre tem uma história rica contada pelos seus cronistas, como vemos Achilles Porto Alegre ao relatar a memória do então arraial Menino Deus: "Aquele sítio, pode-se dizer, deserto, despovoado, com uma ou outra casinha ali...(...) (PORTO ALEGRE, 1940).
Outros bairros, hoje tradicionais na cidade, tem sua origem em arraiais, conforme afirma o mesmo cronista: "os antigos arrabaldes Menino Deus, Partenon, Navegantes são hoje artérias vitais do coração da cidade."(PORTO ALEGRE,1920)
Eu poderia usar outras tantas citações para explicar e justificar a origem dos bairros de uma cidade como Porto Alegre, como Clóvis Oliveira que relata,em obra de referência, os bairros mais antigos da cidade, como o já citado Navegantes com sua origem datando de 1824 e a Azenha no ano de 1751.(OLIVEIRA,1993). O motivo impulsionador deste texto é a minha percepção que atualmente o que define a criação dos bairros da cidade é o poder econômico. Haja vista, que temos situações em que construtoras realizam, de uma forma arbitrária - mas com anuência do poder público, sem a qual acredito não seria possível - um recorte em bairros tradicionais, tirando-lhes, inúmeros logradouros e assim, "criando um novo bairro." No ano de 1997, quando realizei um estágio num projeto da prefeitura chamado "Memória dos Bairros" -hoje não sei se a prefeitura de Porto Alegre mantêm- a comunidade do Morro Santana chamou o grupo de pesquisadores,pois sentiu-se afrontada por uma placa colocada nas suas proximidades: "Aqui está nascendo um novo bairro." Perceberam a noção de pertencimento? E fomos ao encontro daquela comunidade para realizar aquele trabalho e percebermos como eles se apropriavam de sua história e da história do lugar.
Atualmente, surgem "bairros"- ou seriam condomínios fechados?- por obra e graça de construtoras. Bairros como localização estratégica e nobre.
Uma pena que minha cidade esteja sendo absorvida por empreendimentos que não possuem relação alguma com a cidade, seu povo e sua história. Onde estão os "mascarados" pseudo-revolucionários, ou revolucionários de butique, que adoraram se manifestar sem razão, sem ordem e sem motivo? Porque estas movimentações não se fazem contra este tipo de apropriação. "A questão da moradia obedece a uma lógica global excludente, resultado de ações públicas e privadas de um sistema concentrador de renda." (PESTANA, 1998). E não serão estes empreendimentos que mudarão esta lógica apurada por Pestana.Muito pelo contrário.
É com pesar que temo pelo futuro da minha cidade.

Comentários

  1. Excelentes palavras, prof. Ulisses. Porto Alegre, nos últimos oito anos, está entregue aos plutocratas de plantão, que fazem e desfazem a sua bel-vontade. Espigões surgem por todos os lados, o patrimônio já tombado está esquecido, deteriorando-se irremediavelmente. Tenta-se estabelecer bairros artificiais que não encontram acolhimento junto aos moradores, despreza-se a tão necessária noção de pertencimento, base e reduto privilegiado da cultura da memória. É o burgo submetido à sanha dos ricos de plantão. E preocupo-me, assim como o professor, com o futuro da cidade, indefesa perante os piratas modernos.

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